quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Chico Xavier: David Nasser e Jean Mezon

Autor da matéria: William Emerson


Reconstrução de um caso envolvendo Chico Xavier, David Nasser e Jean Mezon.

Identificando alguns pequenos pontos conflitantes entre os materiais investigados, se priorizou a reconstrução crítica dentro da lógica mais compatível com o conjunto. 

Materiais Utilizados:

O Cruzeiro” (David Nasser), “Cobras Criadas” (Luís Maklouf), “Vidas de Chico Xavier” (Marcel Souto Maior), “Nosso Amigo Chico” (Luciano Napoleão da Costa e Silva).

Chico Xavier em foto publicado pelo “O Cruzeiro”.

Introdução

No ano de 1944, o médium Chico Xavier enfrentava problemas com a psicografada antologia de poemas dos grandes poetas mortos, a obra “Parnaso de Além-Túmulo”, devido às reclamações de Catarina Vergolino, mulher de um dos autores mortos, o conhecido Humberto de Campos, que tinha sido colaborador da revista “O Cruzeiro”. Ora, em meio à polêmica do  livro, debatido por críticos e todo tipo de pessoa, uns defendendo e outros com o intuito de desmascará-lo e expor a fraude ao público, o repórter brasileiro David Nasser e o fotógrafo francês Jean Mezon decidiram se aproximar de Chico, cuja privacidade era defendida por seus amigos.

A publicação da reportagem seria feita através da revista “O Cruzeiro”, que teria em sua época de glórias, o impacto de uma TV Globo. David Nasser, que reclamava do anonimato em “O Globo”, saindo do local em que trabalhava, portanto, insatisfeito com Roberto Marinho em 1944, começou o seu novo emprego em “O Cruzeiro” no ano de 1943 (ele trabalhou um breve tempo simultaneamente para “O Globo” e “O Cruzeiro”), se prolongando até 1974, sendo que os primeiros nove anos fez dupla com o fotógrafo Jean Mezon, que, por sua vez, teve seu primeiro material publicado pela revista em 21 de agosto de 1943. A primeira matéria da dupla Nasser e Mazon aparece em 16 de outubro de 1943. Para se ter uma idéia da repercussão das reportagens, a cassação de Edmundo Barreto Pinto, deputado federal, foi iniciada com interferência desta parceria em certo momento da história da revista.

David Nasser (esquerda) e Jean Mazon (direita).

Anterior a reportagem sobre o Chico, uma observação interessantíssima pode ser verificada na autobiografia de Jean Mazon: Ao passar pelo Cemitério São João Batista, o fotógrafo pensou em fazer uma matéria totalmente nova e exótica, uma reportagem de um morto que falasse dele mesmo, o próprio Jean Mezon!

O francês teve a seguinte idéia: “Os brasileitos adoram o espiritismo, os médiuns, as histórias do outro mundo”. Bastava a autorização do Sr. Chateaubriand que, acharia a proposta excelente, recomendando fotos para a mesma noite. A reportagem “da vida dos mortos” foi publicada contando, através do texto de Nasser, a estória da própria morte de Mezon. O texto imitava uma psicografia e foi publicado pelo “O Cruzeiro” em 6 de maio de 1944. Segue o trecho: “Pouco antes de morrer, conheci todo o Brasil. Tudo parecia caminhar bem, quando vi crescer sobre minha cabeça aquele pára-choques. Acordei entre aventais brancos. Uma enfermeira me olhava com ar tão triste, que li em seus olhos minha sentença de morte”. A revista “O Cruzeiro” que não vendia muito nesse tempo, aumentou as vendas. O  objetivo era claro, vender sem se importar com os fatos.

Pois bem! Passemos novamente a uma das reportagens mais famosas de toda a história de “O Cruzeiro”,  envolvendo Chico Xavier.
 
O caso

Tentativa em vão.
 
Nasser e Mazon foram até a Fazendo Modelo pedir para o técnico, zootecnista renomado do Ministério da Agricultura, Rômulo Joviano, uma entrevista com seu empregado Chico Xavier, que foi negada. Fotos só seriam permitidas em sessões públicas de centros espíritas e foi dito para eles esperarem até sexta feira em uma destas sessões, já que foi negado o privilégio da entrevista, tal como desejavam. A partir de então, eles iriam desrespeitar essas condições agindo rapidamente.
 
Depois de Nasser e Mazon saírem do Rio, utilizando-se do avião de Assis Chateaubriand, dono do poderoso império “Diários Associados”, foram recepcionados por Juscelino Kubitschek em Belo Horizonte, realizando o restante do percurso com veículo, até Pedro Leopoldo. Tal era a importância da reportagem para eles, podemos concluir.
 
O plano.
 
David Nasser, que não tinha sua figura conhecida a nível nacional apesar de ter já assinado reportagens na revista, iria se passar por um americano, Jean Mazon por um francês e Henrique Natividade por intérprete de ambos, que fariam a matéria para uma revista americana. Chico ficaria menos inconfortável com repórteres estrangeiros que tralhariam para uma empresa americana, longe de toda agitação no Brasil em torno de “Parnaso de Além Túmulo”.
 
O que sucedeu.
 
Antes que Rômulo Joviano chegasse ao médium mineiro, pois o patrão de Chico havia negado o pedido da entrevista e já conhecia a identidade dos profissionais de “O Cruzeiro”, David Nasser e Jean Mazon usaram dentre outros artifícios, cortarem a linha de telefone do médium, antes que seu patrão chegasse. O problema da comunicação entre Rômulo e Chico estava resolvido, pois estavam incomunicáveis.
 
Quando chegaram ao local, encontraram Chico e este disse orientado pelos Espíritos, que nada tinha a declarar. O cidadão Francisco Cândido Xavier estava em sua própria casa, na sala ao lado da cama, onde seu sobrinho deficiente físico dormia, quando os três homens de “O Cruzeiro”, Nasser, Mazon e Natividade ergueram o menino passando-o de mãos em mãos. Chico Xavier se desesperou implorando que não procedessem dessa forma. Após essa conturbação, eles levaram Chico ao banheiro, colocando-o em diversas posições para serem batidas fotografias. Constrangido com a situação, Henrique Natividade não participou do ato. Foi dessa forma, que o médium aceitou as condições dos repórteres, com efeito, fazendo poses grotescas e comprometedoras para as fotos serem tiradas.
 
Chico Xavier em pose dentro de uma banheira.


Chico Xavier lendo na cama. Objetivo da foto era aparentar que o médium fosse voraz leitor de literatura.
 
A reportagem “Chico Xavier, detetive do Além”, de “O Cruzeiro”, de agosto de 1944, fecha a matéria em tom irônico, como estava todo o texto:
 
“Êle, o moço amável de Pedro Leopoldo, não dá maior atenção aos comentários e vai levando como pode a sua vida. É pena, entretanto, que êle não tenha as qualidades artísticas que vão além do terreno literário. Se fôsse assim, Pedro Leopoldo teria, senhores, não apenas o psicógrafo Chico, mas também o músico Chico, o pintor Chico, o profeta Chico. Isto mesmo: o profeta Chico”.
 
Uma coisa ficou nos bastidores e não foi publicada pela revista.
 
Antes da publicação, com todo o material em mãos, David Nasser e Jean Mazon tinham logrado a evidente farsa de Chico Xavier. O mineiro ingênuo foi enganado pelos profissionais de “O Cruzeiro”, não é médium e não foi avisado por Espírito algum dessa armadilha muito bem feita. Porém, não contavam com um imprevisto, o presente que Chico deu para os farsantes, dois simples exemplares de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. Deixemos o próprio David Nasser contar:
 
 
“Quando foi de madrugada o Mazon me telefonou dizendo: 'Você já viu seu livro, que o Chico Xavier lhe deu?'. Eu falei não! Estava escrito exatamente isso: 'Ao meu irmão David Nasser... de Emmanuel'. Por coisas assim é que eu tenho muito medo de me envolver em assuntos de Espiritismo”.
 
De fato estava escrito: “Ao irmão David Nasser, oferece Emmanuel”. A dedicatória a Jean Mazon era semelhante.
 
Conclusão:
 
A intenção de “O Cruzeiro” publicar alguma matéria sensacionalista envolvendo a mediunidade era anterior ao caso Chico Xavier, e apesar de ter realizado com o médium de Pedro Leopoldo uma de suas matérias mais famosas e vendidas, não repercutiu mesmo sucesso no espírito surpreso do rerpórter. O festejado pelo mundo, David Nasser, teve sua glória, que não iria consolar a sua mágoa posterior ao comentar constantemente entre amigos o maior arrependimento de sua vida, a injustiça que cometeu com uma pessoa tão amável e verdadeira, afinal, dizia que era “a reportagem que não deveria ter escrito”.
 
É sugestiva a autenticidade da mediunidade de Chico Xavier, pois não conseguiram enganá-lo mesmo ambos sendo fisicamente desconhecidos e estando praticamente no começo da carreira de futuro sucesso. A dedicatória não foi assinada como de praxe, ou seja, “Chico Xavier”, o Espírito que não existia na cabeça de Nasser e Mazon assinou “Emmanuel”. Ora, se David Nasser, o principal responsável pela matéria confessa sua falha no trabalho, qual juízo sensato irá sustentar a esperteza de Chico Xavier nesse episódio?

Chico, magoado, somente iria voltar às reportagens diante do competente, sério e respeitável Sr. Saulo Gomes. Segue trecho de uma entrevista publicada em 20/05/2010 pela “FIAMFAAN” - Comunicação e Arte, através de Danilo Cesar Rodruigues Froes:

“Danilo- Quais foram as dificuldades para entrevistar Chico Xavier?

Saulo- O Chico havia sido vítima de uma indignidade por parte de um grande órgão de imprensa na década de 50, pela Revista Cruzeiro – através do trabalho de uma dupla de repórteres. Então, em consequência disso, ele vivia totalmente afastado da chamada grande imprensa. Ele, e mesmo o grupo que o seguia, não queria que ele tivesse contato com ninguém de imprensa. Então, eu resolvi quebrar esse tabu quase vinte anos depois e o entrevistei”.

Chico Xavier em sua primeira entrevista diante da TV, por Saulo Gomes.